Curtas sobre Longas
As Mil e uma Noites, Miguel Gomes, 2015
A Torre Bela
Neste filme, em 3 volumes, alega-se a existência de um nexo de causalidade entre a maioria das histórias relatadas – os passarinheiros, os engravidadores cobardes, os homicidas sem tripas, as crianças pirómanas, as alcoviteiras do galo – e a crise económica que se abateu sobre Portugal nos últimos anos, a saber: a indigência cultural actual é um efeito da crise económica. Ora, a existência deste nexo de causalidade é bastante disputável e, a existir tal nexo, é justamente em sentido contrário ao exposto no filme: a crise económica é justamente um efeito da indigência cultural do país que se relata na maioria dessas histórias. Desde “A Torre Bela” até às “Mil e uma Noites”, a indigência cultural do país pouco ou nada mudou. O que mudou ao longo dos tempos foi a quantidade de dinheiro que esse tipo de indigência foi tendo nos bolsos. É verdade que esse dinheiro permitiu a algumas dessas pessoas libertarem-se desse atraso cultural, quer por intermédio dos filhos dos arrivistas dos anos 80 e 90, quer por outras vias mais nobres. Mas a grande massa dessa indigência cultural manteve-se e, na sua essência, até piorou. Quando “A Torre Bela” foi exibido, na altura, muita gente ainda teve a lucidez crítica de achar que os portugueses foram filmados como sendo animais. Por sua vez, os próprios intérpretes anónimos de “A Torre Bela” ainda mostravam algum pudor em frente das câmaras. Porém, em “As Mil e uma Noites” parece haver uma glorificação dessa mesma indigência cultural, de ambos os lados da câmara. |